Para aceitar essa história que fecha a saga Lost, é necessário esquecer todos os mistérios, todos os emaranhados que as situações ofereceram e compreender que a série trata de pessoas carentes. Pessoas difíceis, traumatizadas e que estão passando por essas situações, não o contrário. A série não mostra situações estranhas por onde pessoas distintas passam. Não é a mitologia da Ilha, o foco principal. Não são os números, tampouco a forma como a escotilha recebia comida, mesmo depois do fim da Iniciativa Dharma. A "essência" da série (ou qualquer outro nome que você queira dar) está na forma como essas pessoas, a princípio tão distintas, se relacionam umas com as outras e acabam se mostrando tão parecidas, tão quebradas. A Ilha é entendida, por mim (e por outros milhões), como uma segunda chance.
"The End" mostrou que Lost não está apenas nas esferas "materiais", ou, em outras palavras, no conjunto de situações "tangíveis" ao qual os personagens estavam envoltos. Não está em Jacob e no Flocke, nem na estátua de Taweret. A Ilha está submersa, ela não importa, ela não existe mais. Essas são meras representações de oportunidade, de redenção, da complexidade de relacionamentos, de história, da fé, da culpa, dos erros. Os mistérios surgem como metáforas, ao meu ver, e se aliam aos personagens para adoçar (e salgar) a trama.
Lembro até de uma fala que a mãe adotiva do Jacob disse para a mãe biológica dele. Ela disse que uma resposta só leva à outra pergunta. Acredito que foi uma mensagem direta dos roteiristas para nós. Afinal, não adianta procurar respostas, não haverá nenhuma resposta satisfatória. Se trata, sim de um fatalismo, do mesmo fatalismo ao qual nós, espectadores e acima de tudo, humanos, estamos submetidos. A propósito, alguém aí sabe me dizer de onde o mundo veio? Ah, do Big Bang? Mas então quem "criou" o Big Bang, e as leis físicas? Deus? Quem criou Deus? É disso que estou falando, ao meu ver, essa mitologia da Ilha a faz mostrar-se como um "pequeno mundo" onde não existem respostas. Há relevância dos mistérios na construção da 'Ilha misteriosa', mas ao mesmo tempo, a importância em não resolver esses mistérios. A solução desses mistérios, logicamente, transformaria nossa Ilha mágica numa Ilha ordinária, alguém aí ia querer isso?
Logo, esse encerramento, com sua linguagem emocionante e envolvente, insinua que tanto faz o que passou, afinal, já passou, mas que a relevância consiste em como aquelas pessoas tão brutas foram lapidadas com aquelas experiências, e passaram para um estágio de sapiência, respeito, maturidade. A maior experiência da vida deles foi a de estarem juntos naquela misteriosa Ilha, desenvolvendo a sua capacidade de compreensão, de amor e de empatia. Estarem ilhados foi tão importante e tão construtivo que transcendeu os limites da vida e chegou a tal ponto que para dar um passo adiante nos seus caminhos, eles precisariam lembrar, sentir, ver e reviver o que eles tiveram enquanto juntos. Isso foi extremamente bonito e significativo.
Tendo esse ponto de vista, o final escolhido pelos produtores foi o melhor possível. Nem de longe, poderiam fazer melhor, foi um verdadeiro choque, foi Lost.
MAS (infelizmente há este "mas")
A série, por muito tempo, nos ofereceu uma noção de que o mistério que envolvia a Ilha, os personagens, suas histórias, a intervenção cientificista, tudo isso seria de suma importância e teria uma relação direta num hipotético final. Entendo que ninguém garantiu relação alguma, mas que tangeram muitas vezes nesses temas, é indiscutível.
Acho que posso até afirmar que muitas pessoas acompanharam a série por esse motivo, pra saber qual mágica os produtores fariam para explicar a fumaça negra e ao mesmo tempo, porquê o Walt era tão especial. Eu realmente achei, por exemplo, que veríamos Sawyer cuidando da sua filha esquecida, Clementine, achei também que alguns detalhes sobre os outros poderiam ter sido discutidos, a questão da gravidez problemática na Ilha, o motivo da Ilana estar toda enfaixada e qual a sua relação inicial com Jacob, e por aí vai... Não entendi, também, como é que Desmond, então, tinha acesso à "vida dos mortos", a partir da descarga mágica (que poderia ser interpretada como magnética, também)e, outrora, a mágica do "brotha", parecia resumida à viagens no tempo.
Não concordo que todos os mistérios em aberto podem ficar a cabo da imaginação do público, acho saudável que muitos deles fiquem, e entendo que não foi tudo respondido didaticamente, mas é visto que muitos dos mistérios ficaram para além da imaginação dos espectadores.
Enfim, a crítica que eu deixo é a de que é incoerente construir, durante 5 temporadas, histórias complexas, envolvendo botões, números, uma cabana velha, jogos de gamão, duas entidades superiores à homens comuns, eletromagnetismo, viagens no tempo, e depois deixar à entendimento de que o fechamento de toda essa parafernália prescinde o fechamento da história em geral.
terça-feira, 25 de maio de 2010
Assinar:
Postagens (Atom)